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domingo, 27 de março de 2016







     A proposta do curso é compartilhar procedimentos de criação experienciados para o projeto em dança O Pior de Mim, de Monica Siedler, artista que tem explorado nos últimos 10 anos intersecções entre teatro e dança e assumindo também o papel de interprete criadora. O objetivo é criar um ambiente de reflexão e troca entre as pessoas presentes acerca do universo poético desencadeado pela ideia “o pior de mim”. O projeto nasceu de uma série de exercícios para a criação da “persona” da performer, onde as características físicas, emocionais, e os modos como interage e é vista pelo ambiente que habita são evidenciados, exagerados e expostos enquanto fragilidade e potência de ação, numa tensão entre figuração e desfiguração, numa busca de estratégias que tornem possível a ressignificação de padrões comportamentais (físicos). 
     
     O projeto, patrocinado pelo prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à cultura/2014 tem gerado diversas formas e formatos de parcerias, como a escrita de textos, captação de imagens, desenhos, conversas, leituras e dança. Por isso o curso não propõe se fechar na pesquisa de movimento, mas se abrir para diferentes formas de se colocar diante e com o outro, assim como pensar em modos de compor dramaturgias para a cena e refletir sobre as implicações ético-estético que perpassam as escolhas e modos de composição em arte.


quando: dias 1, 2 e 3 de abril (sex, sáb e dom)
horário: das 18h as 22h
carga horária: 12h
local: Teatro Armação (praça XV, nº 344, centro)

gratuito e aberto para qualquer pessoa interessada em refletir sobre o pior de si.

para mais informações e inscrição:
monicasiedler@gmail.com

 Sobre Monica Siedler:

Atriz, performer, com graduação e mestrado em teatro pela UDESC. Faz parte da curadoria e organização do Vértice Brasil: encontro e festival ligado ao The Magdalena Project - rede internacional de mulheres artistas, realizando até o momento 4 edições (2008, 2010, 2012, 2014). Em São Paulo fez parte do Coletivo Rubroobsceno (2012/2015), realizando uma série de ações ligadas à temática de gênero e feminismo (mesas de estudo, performances, produção de workshop e mostra de cenas de mulheres). De 2008 a 2014 participou da ARCO Projetos em Arte, em parceria com o artista visual Roberto Freitas, onde pesquisaram a interação entre linguagem cênica e audiovisual. Por conta disso produziram a Trilogia Ninguém é Impossível, que integra as performances: Só Depois (Prêmio Funarte Klauss Vianna 2011); Somático (prêmio Elisabete Anderle de estímulo a Cultura -  SC/2010); 1A(UMA) (bolsa de pesquisa para intérprete-criador projeto Mergulho no Palco (2007, Florianópolis/SC).  Com a trilogia apresentaram tanto em festivais de dança como de teatro, performance, cinema e artes plásticas, por diferentes estados do Brasil (SC, SP, PR, PB, PE) e exterior (Argentina, México e Dinamarca). Com a ARCO também destaca-se as produções: Instalação coreográfica Territórios Imaginários (parceria com a Siedler Cia de Dança através do prêmio Elisabete Anderle de estímulo a Cultura-SC (2010) e a esquete cênica DOLLOP (2002). Participou como atriz nas produções Mi Muñequita (circulação nacional pelo projeto SESC Palco Giratório 2010) e Teatro de Quinta - Um Show de Humor (apresentações sistemáticas pelo estado de Santa Catarina - 2008/2010). Integrou a Andras Cia de Dança Teatro, desde sua fundação em 2004, até 2007, dirigida pelo coreógrafo Milton de Andrade. Com o grupo participou dos espetáculos 7 solos (2004), Quixote (prêmio DAMS, Bolonha, Itália, 2005), e Butterfly, (prêmio Funarte Klauss Vianna, 2006)

quarta-feira, 16 de março de 2016







Desenho de Narjara Reis

Sobre ilhas: limiares entre Morel e Desterro


* por Josimar Ferreira



“Ou as ilhas antecedem o homem ou o sucedem.”
Gilles Deleuze

Depois da sombra, antes da sombra. Uma ilha separada de todas as realidades da terra firme é o lugar ideal para construir realidades imaginárias. Talvez, seja, por isso que Bioy Casares escolheu uma ilha para inventar seu mundo com imagens fac-similares, projetadas pela máquina de Morel, em um lugar possivelmente assombrado e encantado, povoado por fantasmas. Um território onde estamos diante de um passado insondável, repetido pela eternidade:

Os dois sóis e as duas luas: como a semana se repete ao longo do ano, vêem-se esses sóis e luas não coincidentes (e também os moradores com o frio em dias de calor; tomando banho em águas sujas; dançando no meio do mato ou sob o temporal). Se a ilha se afundasse - à exceção dos lugares em que estão as máquinas e os projetores -, as imagens, o museu, a própria ilha seguiriam visíveis. (1)

Ainda vejo minha imagem em companhia de Faustine. Esqueço que é uma intrusa; um espectador desprevenido poderia julgá-las igualmente apaixonadas e próximas uma da outra. Talvez, este parecer exija a debilidade dos meus olhos. [...] Minha imagem não passou, ainda, para a imagem; caso contrário, eu já teria morrido, teria deixado (talvez) de ver Faustine, para estar com ela numa visão que ninguém recolherá. (2)

Se histórias antigas são fábulas para se contar antes do anoitecer, então, os personagens de Morel parecem fazer parte dessas histórias com rastros de fantasmas. Didi-Huberman salienta que os personagens de contos de fadas, assim como os fantasmas sempre manifestam certa propensão para a melancolia: nunca chegam a morrer. Seres de sobrevivência, vagueiam como dibuks (alma penada) por algum lugar entre um saber imemorial das coisas passadas e uma trágica profecia das coisas futuras. (3) Sendo assim, a vida fantasmática das imagens constituem tanto nosso presente quanto nossa memória, tanto nosso imaginário quanto o lugar que vivemos (uma ilha desterrada).
As sombras em Morel se aproximam ao tempo do sonho, onde por algum momento o tempo para de operar, mas nesse exato momento diferentes temporalidades se bifurcam e os fantasmas irrompem na cena. Sombras do nosso passado mais profundo podem nos afetar de forma arrebatadora, mostrando nosso pior, enaltecendo nosso melhor. Aquilo que experimentamos a cada dia como imagens que nos rodeiam aparenta ser uma combinação de coisas novas, e sobrevivências vindas de muito longe de nossas próprias histórias ou de histórias da humanidade. Considerando que diante da imagem, estamos diante do tempo, e sendo o tempo movediço, podemos arriscar que os sonhos, são parte da vigília, ou como preferem os poetas e artistas, de forma esplêndida: que toda vigília é um sonho.
O mar cerca a ilha de Morel, um lugar ficcional. Cerca também a ilha do Desterro, nosso lugar de morada. Cerca muitas outras ilhas lendárias e imaginárias, lugares povoados por sombras e fantasmas. Borges nos conta que quando Samuel Coleridge viajou à Alemanha se deu conta de que nunca tinha visto o mar, apesar de tê-lo descrito admiravelmente, inesquecivelmente, em seu poema “The Ancient Mariner”. (4) Mas o mar não impressionou o escritor inglês, o mar de sua imaginação era mais vasto que o mar da realidade. Vivendo em uma ilha, estaríamos cercados pelo mar de águas turvas, ou pelo mar de águas do imaginário? Os fantasmas de uma ilha imaginária/ficcional não poderiam ser os mesmos fantasmas que assombram uma ilha com sólida localização geográfica? A ilha, assim como a noite, seria, então, o lugar dos fantasmas? O lugar das sombras duplicadas?
Morel poderia ser Desterro.


(1) BIOY CASARES, Adolfo. A invenção de Morel. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 117.
(2) BIOY CASARES, Adolfo. A invenção de Morel. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 124.
(3) DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, p. 427.
(4) BORGES,  Jorge Luis. Curso de literatura inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 189.


segunda-feira, 7 de março de 2016


O Pior de mim


por Flávio Dias*


Memória é sempre rascunho. E qualquer tentativa de passa-la a limpo é condenada já desde o principio ao fracasso. Díspares mais ainda buscar recapitular as paginas arrancadas. Se o processo de qualquer lembrança é reconstrução, as doloridas são teias de uma rede afiada onde algum mamífero marinho se debate assustado. Não há cura e nem cor para o pior nas recordações. O tempo delas é sempre presente, o único, o real. Vivo de novo o pior de mim cada vez como uma fita cassete VHS se infiltrando nas telas de alta e triste definição cotidiana. O pior de mim transpira com mãos que são luvas de dedos demasiado longos procurando trechos de textos escondidos nas contracapas dos cadernos de minhas irmãs. Um tapa perdido no meu filho é capturado por essa câmera sonâmbula e sem sorrisos. O pior de mim não se cansa como eu me canso depois de dias duros de trabalho e nem soluça arrependido. Se a verdade está na ficção, o pior de mim é dolorosamente real e sem sede, magro de maldades e infinitamente infiel ao desejo. O pior de mim é uma terça-feira suja de ignorar um amigo e o corte é brusco no plano seqüência. As frases são feitas como numa fábrica e o pior de mim tem uma navalha enferrujada na sola de cada pé de não ajudar alguém. Suicidar o amor numa fotografia 3x4 sem sorriso rasgada. Estranho como escrevendo essas linhas vejo que o pior de mim adora ser visto, mas não quer ser lembrado. Como um leão arrasando quarteirões pelo prazer da juba, pelo ego imenso e perverso desmoronando mosaicos, desencaixando os livros, desmontando os quebra-cabeças. O pior de mim abandona as vezes meu filho por namoradas, pela expectativa de um gozo que é coroa de espinhos. “Tudo um engano”, o pior de mim tenta me dizer em reverência endiabrada. “Nada é culpa tua”, o pior de mim me acaricia os cabelos ainda com sangue. Uma carícia metamorfoseando-se em dor como num plágio de um vinil arranhado. Eu traio as pessoas e respondo que fumo, ou não, dependendo do efeito que quero ter no meu interlocutor. Eu sinto saudade incandescente de meu país, das minhas ruas e penso que isso me autoriza certos caprichos feios de menino mimado. Eu sempre quero uma segunda chance, embora poucas vezes queira dá-la. Penso no meu sexo encontrando outro sexo e sou um terceiro elemento longínquo vislumbrando um quarto elemento ainda mais distante. E o pior de mim ainda quer ter seu charme e buscar esperança. O torpor do pior de mim as vezes me pega desprevenido e não tem tristeza. A tristeza, quando vem, é a face boa do pior de mim. E é ela a esperança renovada.



*Professor. Compositor - letrista. Cinéfilo. Brasileiro tecendo pontes entre o Lago Léman e o vento mais sul do sul do Brasil. Escritor. Impostor. Binômio do grupo helvético-brasileiro Prosa Poética.