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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015


 "Um mandarim estava apaixonado por uma cortesã. 'Serei sua, disse ela, quando tiver passado cem noites a me esperar sentado num banquinho, no meu jardim, embaixo da minha janela.' Mas, na nonagésima nona noite, o mandarim se levantou, pôs o banquinho embaixo do braço se se foi."

 "eu que me acreditava puro sujeito (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável), me vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei. monumentalmente."

"Eu te darei mais do que você me dá, e assim eu te dominarei (...)."

"Poder da linguagem: com minha linguagem posso fazer tudo: até mesmo e sobretudo não dizer nada. Posso fazer tudo com minha linguagem, mas não com meu corpo. O que escondo com minha linguagem, meu corpo diz."

"Não posso me escrever. Quem seria este eu que se escreveria? À medida que entrasse na escrita, a escrita a esvaziaria, o tornaria vão; produzir-se-ia uma degradação progressiva, na qual a imagem do outro seria, também ela, pouco a pouco envolvida (escrever sobre alguma coisa é corromper esta coisa), abominação cuja conclusão não poderia deixar de ser: para quê? [...] escritor, ou considerando-me tal, continuo a me enganar sobre os efeitos da linguagem. [...] Alguém deveria me ensinar que não se pode escrever sem fazer o luto da própria 'sinceridade' (sempre o mito de Orfeu: não se virar).


Roland Barthes
Fragmentos de um discurso amoroso