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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

 

Até quando?

* por Erica Fiod

Eu espero, a espreita, espero. Eternidade: onda do mar indo e vindo sob a areia da praia. A eterna espera por algo melhor, por ter algo realizado conforme o meu desejo e minhas vontades. Desejo muito e muitas coisas. Quem dera o mundo fosse a realização, mas a vida em si não é aquilo que se quer que seja e sim o que se consegue fazer desta. Sei disso e continuo esperando que tudo se resolva do meu jeito, por querer entrar em estado de entrega, de prontidão. Sempre planejo. Perscruto a mim e os labirintos dos outros, as vias, as possibilidades dos encontros, das resultantes. Mas e se a espera for em vão? Até lá já terei criado uma vida à parte, paralela, quiçá bem mais interessante do que os meus desejos satisfeitos, realizados. Dizem que às vezes há sabedoria em o mundo não nos conceder um desejo. Talvez seja o que me faça continuar a caminhar, a procurar, a perscrutar, não sei. Sempre quero me entender e busco entrar um pouquinho mais e mais no mistério de mim e do mundo. Entretanto, sim, tem coisas que é melhor não termos consciência a respeito ou enlouqueceríamos de vez. Será que o que vejo tem um olhar próprio que se difere de meus circundantes? Será que tenho assim uma maneira toda minha de ser? Posto que o objeto de nosso desejo não é apenas o alguém a quem estimamos e sim também o mundo que o envolve e o completa. Tenho necessidade de procurar o outro a fim de mudar o meu olhar perante o mundo. Sim, é-me necessário um trabalho interno constante de melhorar o meu olhar a partir de outrem. É doloroso, eu sei, mas me é essencial. Como diz Goethe, “Se queres entender o mundo, olhe para dentro de si mesmo. Se queres entender a si, olhe para o mundo.” No entanto, o mundo não é feito apenas de águas cristalinas e flores. Tenho em mim um jardim de sombras, um rio de sangue, uma vontade de bicho. Tenho que enfrentar os meus próprios demônios e tentar sair ilesa, uma vez que assim como o mundo, tenho e preciso de veneno. Veneno de cobra peçonhenta. Porque tudo o que é generoso demais, altruísta demais, sem sombra, enjoa e não é passível de plena confiança. Capacidade de amar até o azedume, até os defeitos, os seus e o meus. Preciso fechar o quarto em dias de sol, às vezes.

A minha espera: carne aberta em flor. Flor dilacerada em perfume. Inferno adocicado.

Com um fio condutor, que parte de minha intimidade, sonhando, eu espero. Espero pelo que? Ora, que pergunta...

Estou sempre escolhendo entre a vida e o sonho, entre a realidade e o delírio, entre alimentar os meus demônios ou meu cordeiro, com os pés submersos no rio da loucura misturada à sabedoria.

“Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada.
A parte essa, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Tabacaria, Fernando Pessoa.


Será a espera, assim, inútil? Não há nada mais sem sentido do que viver, do que estar vivo e, no entanto, estamos vivos. Desconfio que isso seja um milagre. A possibilidade da vida é quase nula. A possibilidade de se dar certo, também. Milagres a parte, só sei realmente de minha espera. Só eu sei da vida que vou levando por enquanto que não se é, que não se pode ser em hipótese alguma, sendo. Talvez seja exatamente as distâncias que façam com que eu seja a todo instante e esteja sendo em um equilíbrio precário de quem anda constantemente numa corda bamba. Ou de perna de pau.

Não há descanso. Não há explicação. Não há saída. Não há escolha. A única via é a da espera e dentro da esperança viver como se pode e mesmo assim ser capaz de suportar um desalinho; o seu e o meu.

Faz tempo que espero. Talvez anos. Talvez, uma vida toda, não sei. Não sei se saberia viver de outra forma diferente do que me está posto, do que me cabe, do que me pertence. Faz tempo que eu espero e, nossa! Nessa espera, como já me dei! Como já me entreguei! E como já saí correndo de medo também. Já esperei tanto por um gesto, uma palavra, um olhar, um abraço, pelo ato. Não sei se tudo isso é mera criação minha (desconfio que sim), no entanto, já está tão entranhado em minha carne, em minha pele, em meu ser que vivo suspensa em sonho. Não sei ser aquilo que não sou, na maioria das vezes. A espera faz parte de mim e de minhas profundezas e é exatamente o desejo e essa espera que me fazem levantar da cama de manhã todos os dias e caminhar, comer, buscar em mim e nos outros, nas sombras, no fogo, nas cinzas, nas ruínas, nas ruas, nos meus e nos seus demônios, na porção do outro que falta em mim, na necessidade criada em mim pelo outro, na busca incessante de mim, do outro, do outromim. Então, dentro de minha espera infinda e nonsense, pergunto-me:

Será que eu sobreviveria ou conseguiria continuar vivendo se, por ventura, um gênio da lâmpada me concedesse todos os meus desejos?

Qual é a parte do mundo que me pertence? De que matéria é feita a minha realidade?


“Esperando a festa
Esperando a sorte
Esperando a morte
Esperando o norte
Esperando o dia de esperar alguém
Esperando enfim nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita, do apito do trem
(...) esperando o trem
Que já vem, que já vem, que já vem, que já vem...”
Pedro Pedreiro, Chico Buarque.